31 outubro, 2013

Reforma do Estado. Quem ganha e quem perde?

 
A Reforma do Estado que Portugal NECESSITA (não se trata, obviamente, destes cortes cegos e transversais que têm vindo a ser implementados) não avança pois significaria uma verdadeira decapitação do regime centralista da capital…

NOTA: Nada tenho contra Lisboa e os seus habitantes. O que está em causa é o sistema e organização do Estado português, caso a capital fosse Coimbra ou outra cidade, o problema seria o mesmo. 

Basta pensar no seguinte: considerando a profusão de organismos públicos (falamos de ministérios, secretarias de estado, direções gerais, secretarias gerais, institutos e empresas públicas, observatórios, comissões, fundações, inspeções gerais, gabinetes de estudos, etc.. São centenas de entidades com uma coisa em comum - TODAS se encontram sedeados na capital.

Se para o “comum” contribuinte português, uma redução do número destas entidades, significaria- por via da redução da despesa pública - menos burocracia e menos impostos, para quem vive e trabalha na região de Lisboa, significaria... desemprego (o equivalente aquelas notícias tão frequentes nos últimos anos de fábricas que fecham um pouco por todo o país).
Acresce que estamos a falar de um corte drástico no número de lugares de administrador, diretor, chefe de serviços, secretárias de administração e direção… não é difícil perceber que falamos de milhares de lugares que vão de “bem remunerados” a “muito bem remunerados”!

Como passamos de 200.000 funcionários publicos nos anos 70, para cerca de 700.000 no final dos anos 90?

Uma parte significativa destes organismos existe, simplesmente, porque os interesses instalados conseguiram que a assembleia da república debitasse mais um decreto-lei, portaria ou decreto regulamentar, que estipula que o papel x – preenchido e pago pelo cidadão - tem de ser verificado pela entidade x, y e z (ou que regule o n.º de cães e gatos...). A burocracia e a teia jurídico-legal, são a explicação e o alicerce de muitas destas estruturas pois, para além de meros formalismos legais, muitas não prestam nenhum serviço ou mais valia ao cidadão.

Um exemplo: por questões profissionais, tive contacto com a necessidade de uma obra que consistia em reabilitar um pequeno açude já existente numa ribeira. Pois, para reabilitar essa infraestrutura (não se tratava de alterar, aumentar ou outra modificação do que já existia) foi necessário preparar quatro dossiers distintos e aguardar pelo seu deferimento individual: nomeadamente: junto da CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional), a ARH (Administração da Região Hidrográfica), a RAN (Reserva Agrícola Nacional) e a REN (Reserva Ecológica Nacional).

Expliquem, pf, onde está aqui a lógica de serviço público e a quem serve esta profusão de organismos!

Uma verdadeira reforma do Estado terá de questionar a lógica centralista e burocrática da sua estrutura actual, por ex.:

- questionar porque existem praticamente mais funcionários no Ministério da Agricultura em Lisboa, que agricultores no país…

- questionar, se fará sentido entidades como a “Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural” ou o “Instituto do Vinho e da Vinha”, terem as suas sedes em Lisboa. A
liás, o próprio ministério não poderia ter a sua sede no Oeste, em Trás-os-Montes, ou qualquer região com tradição agrícola!?;

- na área da educação: todos os anos ouvimos falar na dispensa de professores mas, quantos destes funcionários administrativos nos serviços centrais dos ministérios, foram dispensados, alguém sabe?

- quantos professores trabalham na sede do Ministério da Educação (2.000, 3.000?) convertidos em burocratas, ocupados unicamente com funções administrativas, que apenas vieram contribuir para sobrecarregar, desmotivar os professores que têm a missão de ensinar alunos com papéis, procedimentos, formulários, etc..

- acrescentem a estes casos, que se replicam em outros ministérios como a Saúde, a Justiça, a S. Social, a Economia, etc., e que se encaixam na administração direta do Estado, o que se passa em relação ao sector empresarial do estado e às autarquias…

Faça a seguinte experiência: consulte o organograma de um Ministério (da Saúde, da Economia, da Agricultura, etc…) e constate como qualquer uma dessas estruturas é uma verdadeira "matrioska" de entidades públicas: uma “Secretaria Geral”, desdobra-se em n “Direções Gerais”, abre-se uma destas, e encontrará outras tantas “Direcções” que, por sua vez, se multiplicam em y “Divisões”… que ainda podem contar com umas “Unidades“ e “Núcleos” disto e daquilo.
(seria muito interessante conhecer como se distribui geograficamente - por distritos, por ex. - o montante que o Estado paga em remunerações).

Interessante observar também alguns mapas de pessoal desses organismos (algumas estão disponíveis), onde se constatam diversas direções com menos de 10 funcionários. Temos um Director Geral, Director Adjunto, dois ou três Chefes de Divisão, e depois meia dúzia de Técnicos Especialistas e Técnicos / Assistentes Operacionais, ou seja, existem praticamente tantos funcionários operacionais como chefias! E este panorama já é posterior às medidas de corte nos lugares de chefia implementados nos 2 últimos anos… 

E aqui reside outra grande ameaça a uma verdadeira Reforma do Estado, é o centralismo instalado dentro das próprias organizações do Estado.

Há muito que o foco deixou de ser a prestação de serviços aos cidadãos, passando o próprio funcionamento interno destes organismos (nomeadamente, os interesses particulares de quem aí trabalha) a ser “a” prioridade.

Um dos casos mais flagrantes será o da Educação: como é possível termos cada vez menos alunos, mas termos cada vez mais despesa com pessoal no Ministério da Educação?!

A explicação só pode estar relacionada com o acima referido em relação à burocracia e alterações legislativas que, artificialmente, criam mais um formulário, um procedimento e que conjunto de funcionários irão, administrativamente, gerir o processo. Os professores, coitados, cada vez menos tempo têm para preparar aulas pois há que “alimentar a máquina” com papel…    

As cúpulas destas instituições estão cada vez mais longe do “cliente final”  - nós, cidadãos - e, quando toca a cortar na despesa, como é humanamente compreensível e para não falar na circunstância de a decisão de corte ser tomada em causa própria, não é fácil cortar na secretária da administração e no motorista com quem convivemos diariamente. Os cortes vão afectar aqueles que estão mais longe do topo da hierarquia. O drama é que são precisamente esses funcionários quem estão no terreno e que prestam verdadeiros serviços aos cidadãos – o backoffice e a burocracia, são completamente acessórios para nós “vulgares cidadãos”!
 

Recorrendo novamente ao caso da Educação - onde têm sido dispensados mais funcionários: auxiliares que trabalham em escolas ou burocratas que trabalham nos serviços centrais e regionais do Min. da Educação?

Para finalizar, referir um assunto tabu em Portugal: o nível de vida em Lisboa (ver isto) atingiu um patamar só possível pela canalização - via arrecadação de impostos - de uma parte significativa da riqueza produzida no resto do País que vai direitinha para a mera existência e manutenção dos organismos acima referidos. Entretanto, função da crescente concentração de poder (que acelerou com o período do "cavaquismo"), cresceu uma teia de interesses e uma economia "pseudo-privada" ja aqui tratada.

A redução da  despesa e da carga fiscal, permitiria à generalidade dos cidadãos mais poder de compra e uma melhoria do seu nível de vida, no entanto, isso acarreta um empobrecimento da capital…